Uma carrada de barro em troca do voto

A necessidade da gente é que manda, argumenta eleitor; taxa de venda no Nordeste é de 19%

EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Para o desempregado maranhense Sebastião Moura da Silva, 44, o Código Eleitoral brasileiro, de julho de 1965 e que proíbe a compra e a venda de votos, só existe no papel. Ele conta que, nas eleições municipais de 1996, foi procurado por um candidato a vereador de Matões, no leste do Maranhão e a 350 km de São Luís.

"Ele chegou para mim e ofereceu uma carrada de barro em troca do voto", afirma Silva. "Eu aceitei na hora. Usei o barro para construir a minha casinha de taipa e depois nem votei nele", completa o maranhense.

Silva conversou com a Folha num final de tarde no superlotado terminal rodoviário de Brasília. Encravado no coração da capital e a metros do Congresso, do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, é de lá que partem os ônibus para as cidades-satélites do Distrito Federal e para municípios do interior de Goiás.

Nesse dia, a reportagem passou menos de meia hora no local. Abordou sete pessoas: duas não quiseram conversar, uma admitiu a venda do voto e outras quatro disseram que somente não o negociaram pela simples falta de oportunidade.

É o caso das amigas Norma Sueli, 51, carioca, e Domingas da Cunha, 50, baiana de Santa Rita de Cássia.
"Se [o candidato] pagar as minhas dívidas, eu vendo na hora", diz Norma. "Dois mil reais pra mim já resolvem", precifica Domingas.

Vendedor ambulante, que segura sacos com biscoitos atento para a possível chegada de fiscais, Benedito Gomes, 53, admite a venda do voto e sugere o benefício da impunidade.

"A necessidade da gente é que manda. E acho que uma coisa dessas [venda de voto] não iria parar num fórum [de Justiça]", afirma o vendedor, casado, pai de quatro filhos e natural de Piracuruca (PI).

Norma, Domingas e Benedito atribuíram a possível venda de seus votos à insatisfação com os políticos do país. Maria Helena de Souza, 48, natural de Monte Alegre do Piauí, também: "Se aparecer alguém, eu vendo mesmo. Perdi todas as esperanças nos políticos. Isso [voto] não tem mais valor".

De acordo com o Datafolha, 13% dos entrevistados admitiram ter mudado de voto em troca de dinheiro, presente, emprego ou favor. No Nordeste e no Norte/Centro-Oeste, esse índice chega a 19%, contra 9% no Sudeste e 8% no Sul. A taxa é maior entre os homens (16%), entre os jovens (18%) e entre os mais pobres (15%).

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