Governo quer crachá e relatório para lobistas

Abnor Gondim

BRASÍLIA - O ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage Sobrinho, defendeu, em entrevista exclusiva ao DCI, a aprovação de uma lei para regulamentar a atividade de lobby no País. A proposta do órgão será a contribuição do governo à intenção do presidente da Câmara Federal, Michel Temer (PMDB-SP), de votar essa matéria até 10 de novembro, quando entram na pauta os projetos da camada pré-sal. Há 13 projetos sobre o tema no Congresso. O mais antigo, do senador Marco Maciel (DEM-PE), completou 20 anos.

Desde 2003 e até julho de 2009, foram expulsas do serviço público federal 2.213 pessoas, segundo dados do governo, boa parte delas (67%), por prática de atos de corrupção, a exemplo de recebimento de propina, o que pode ser resultado da ação de lobistas.

"Tudo o que estava embaixo do esgoto está vindo à tona", afirmou o ministro-chefe. Hage rejeitou a ideia de que o Brasil está entre os mais corruptos do mundo por ser mencionado em ranking da Transparência Internacional.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.

A CGU já tem uma minuta de projeto de lei para regulamentar o lobby?

Não temos uma minuta pronta. Nós temos discutido esse assunto por um grupo criado no Conselho da Transparência Pública, vinculada à CGU, que tem representação da sociedade civil e órgãos públicos.

Por que é necessária essa regulamentação?

O lobby é considerado, na boca do povo, uma atividade suspeita e ilícita exatamente por falta de uma regulamentação que garanta a transparência e dê as regras do jogo. Controle, registro e obrigatoriedade de transparência e visibilidade. Somente assim nós poderemos separar o lobby que é um legítimo jogo de pressão dos grupos de interesse da sociedade, do lobby criminoso, esse que se faz na sombra, à base da propina e outras práticas desse tipo.

O projeto traz algumas especificações, como, por exemplo, a identificação do lobista. É mais ou menos isso, ministro?

O projeto define que a atividade de lobby é considerada legítima quando exercida em conformidade com os princípios de publicidade, transparência, legalidade e moralidade. Define o que se considera decisões administrativas e legislativas, que são as duas espécies de decisão sujeitas à atividade. O Judiciário só entra aqui no projeto quando ele pratica atividades e decisões administrativas. O projeto considera lobista: quem exerce a atividade de modo autônomo, remunerado, não eventual, em favor de pessoa física, pessoa jurídica ou grupo de interesse; o indivíduo empregado por pessoa jurídica; uma pessoa jurídica constituída para a atividade. Indivíduos que atuam sem remuneração, esporadicamente, que vão ao Congresso, não são considerados lobistas. Cada um dos Poderes regulamentará as atividades de lobby e as regras de registro. Aí, a atividade vai ser condicionada a registro prévio. Para a renovação anual, ele terá de apresentar um relatório sintético dos casos em que ele atuou, a sua receita, eventuais despesas, exatamente como esse controle é feito em países mais avançados que já têm essa regulamentação, como os Estados Unidos, o Canadá. Cada órgão público deverá divulgar, obrigatoriamente, na agenda da autoridade na internet, as pessoas registradas como lobistas, quem recebeu, o assunto tratado e será obrigado a atender pessoas que defendam o interesse contrário, quando solicitado, evidentemente. Então, há uma série de regras que o País precisa para trazer essa atividade à luz do sol, para não ficar nas sombras, que é o pior dos mundos. O projeto também prevê sanções, punições, como advertência, suspensão do registro, cassação do registro, independentemente dos processos pelo meio judicial.

O lobista deverá ter formação específica?

Não. Lobista não é uma profissão. É uma atividade.

Como o senhor avalia medidas tomadas pelo governo para preencher essa lacuna da falta de uma lei do lobby? Por exemplo, o Código de Ética Profissional do Servidor Público, o Código de Conduta da Alta Administração Pública e o decreto que disciplina as audiências concedidas a particulares.

Sem dúvida, esses instrumentos de alguma forma têm contribuído. Agora, a nossa visão é de que isso ainda é absolutamente insuficiente em termos de uma disciplina da atividade do lobby. A única coisa que nós temos hoje são os códigos de ética. Não temos sequer aquela lei que nós elaboramos e mandamos para o Congresso em 2006 e que regulamenta os conflitos de interesse. Já poderia ter sido encaminhada para a sanção do presidente da República, mas isso foi obstaculizado pelo DEM, que recorreu para obrigar que essa lei fosse a plenário. E com isso já se passaram mais dois anos.

E de que trata essa lei, ministro?

Disciplina as atividades das autoridades públicas, tanto em cargos de comissão quanto em permanentes, que atuam em áreas difíceis, de muito contato com o setor privado, ou seja, a área de tributação, previdência, fiscalização do trabalho. Traz regras sobre quarentena, limitações de atividades após deixar o cargo. Proíbe, por exemplo, uma prática que era comum no governo e que nós estamos coibindo mesmo sem essa lei, que é a prática que chamo de funcionário "anfíbio", aquele que toma uma licença sem remuneração por dois anos. Por exemplo, o auditor da receita. Nesse período, ele entende que não é mais servidor público e vai fazer advocacia e consultoria para empresas pagarem menos tributo. Isso é absolutamente intolerável.

Vocês têm obtido prêmios por causa do acompanhamento digital dos gastos do governo, a exemplo do Portal da Transparência. Mas ao mesmo tempo o Brasil é apontado como um dos países com maior nível de corrupção no mundo...

Não é verdade. Nem mesmo aquele índice altamente questionável, que é o da Transparência Internacional, põe o Brasil entre os mais corruptos do mundo. O Brasil está no meio. Têm sido criticadas e questionadas essas formas de medir a corrupção, a partir de simples pesquisas de percepção. Se se tem um país que está investigando a corrupção e com uma mídia ativa, é claro que se traz o problema da corrupção à percepção geral da população e dá-se a impressão de que ela está alta, quando a novidade é que ela está sendo combatida, investigada, divulgada. Em uma pesquisa do Vox Populi, feita pela Universidade Federal de Minas Gerais, 75% dos entrevistados responderam que o que está aumentando no Brasil é o combate à corrupção; só 24% responderam que é a corrupção. A população começa a perceber o que acontece no País. Tudo o que estava embaixo do esgoto está vindo à tona porque está sendo investigado. O Brasil tem sido considerado modelo em várias áreas de prevenção da corrupção. O Brasil foi considerado o 8º país mais transparente do mundo e o primeiro da América Latina em orçamento e despesa pública por uma ONG de Washington, o Instituto de Parceira de Orçamentos Públicos.

O ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage Sobrinho, defendeu, em entrevista ao DCI, a aprovação de lei para regulamentar a atividade de lobby no País. A proposta do órgão será a contribuição do governo à intenção do presidente da Câmara Federal, Michel Temer (PMDB-SP), de votar essa matéria até 10 de novembro, quando entram na pauta os projetos da camada pré-sal.