Corrupção e pobreza de mãos dadas

Levantamento feito pelo EM mostra que 81 dos 85 municípios mais pobres de Minas foram investigados nos últimos sete anos por envolvimento em casos de improbidade e fraudes

Por: Alessandra Mello, Maria Clara Prates e Luiz Ribeiro

Não é coincidência. Segundo levantamento feito pelo Estado de Minas com base em estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), em 81 dos 85 municípios mineiros com menor índice de desenvolvimento, a pobreza está de mãos dadas com a corrupção. Um casamento que está longe do fim e sacrifica a população, afastando-a de serviços básicos como educação e saúde, especialmente no Norte de Minas e nos vales do Jequitinhonha e Mucuri, onde estão concentradas as cidades com piores indicadores. O mais grave, entretanto, é que o ciclo cruel de baixo desenvolvimento e corrupção está longe do fim porque, para o cientista político Rubens Figueiredo, só a punição exemplar seria capaz de mudar essa realidade.

Não é preciso ser um estudioso para perceber, por exemplo, que São João do Pacuí, no Norte de Minas (município com pior índice no estado e entre os 30 piores do país em trabalho, renda, educação e saúde), convive, desde 2002, com ações de improbidade administrativa e investigações que vão desde fraudes em convênios até contratação de empresas fantasmas e licitações fraudulentas. “Nos municípios menores, praticamente não existe controle social dos recursos. Quase a totalidade das câmaras municipais é cooptada pelo Poder Executivo e também se envolve nas negociatas”, afirma o procurador André Vasconcelos Dias, da Procuradoria da República em Montes Claros.

Infelizmente, São João do Pacuí não está sozinho. Em muitos casos, os municípios aparecem como alvo em mais de uma das recentes operações da Polícia Federal desencadeadas para conter a sangria nos cofres públicos, desde 2006. Um exemplo é Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, que entrou para a lista das cidades investigadas em 2008 tanto na Operação Pasárgada – que apurou liberação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) de forma fraudulenta – , quanto na João-de-barro – que estancou desvios de recursos de emendas parlamentares para obras de saneamento. Minas Novas ocupa hoje o 768º lugar em desenvolvimento entre os 853 municípios mineiros.

Desvio de verba

O terceiro pior município do estado em desenvolvimento, Bonito de Minas também penalizou sua população quando perdeu recursos que deveriam ter sido investidos em saúde, até ser pilhado na Operação Sanguessuga, em 2006, que apurou o desvio de verbas em licitações superfaturadas para a compra de ambulâncias. O procurador afirma que outras cidades norte-mineiras, como Ibiaí, Ibiracatu, Icaraí de Minas, Josenópolis, Juvenília, Pai Pedro, Lagoa dos Patos, Ninheira, Santo Antonio do Retiro e Varzelândia, são investigadas por desvio de recursos. Todos os 81 municípios entre os 10% menos desenvolvidos são alvo de inquéritos ou processos em curso na Procuradoria Especializada em Crimes de Agentes Políticos ou nas promotorias locais.

Eterna espera por saúde e moradia

Por Luiz Ribeiro

Enquanto prefeito é investigado, moradores de município do Norte de Minas lutam para conseguir simples exames e medicamentos

São João do Pacuí – Apesar da escassez de recursos para investimento em saúde, educação e emprego, fato que garante ao município de São João do Pacuí, a 475 quilômetros de Belo Horizonte, no Norte de Minas, a posição de lanterninha em desenvolvimento no estado (um dos piores índices do país, segundo estudo da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro), a cidade convive com denúncias, processos e investigações envolvendo desvio de verbas públicas. A mais recente é sobre o uso de dinheiro do município para o pagamento de dívidas pessoais do prefeito reeleito, João Antônio Ribeiro (PTB), conhecido como Toninho Garrincha.

O prefeito é investigado por suspeita de pagar dívidas pessoais a um agiota com cheques da prefeitura, emitidos em nome de um posto de gasolina, fornecedor do município. Ele nega veemente a denúncia, feita pelo ex-prefeito Geraldo Magela Alencar Gomes, o Geraldo Nonô (PP), derrotado na eleição de 2008. Nonô tem algo em comum com Garrincha. Também responde a processo por improbidade administrativa, que tramita na comarca de Coração de Jesus, referente ao tempo em que administrou a cidade.

No ano passado, São João do Pacuí recebeu da União R$ 4,9 milhões, sendo grande parte do Fundo de Participação dos Municípios (FPM): R$ 3,79 milhões (76%). Para a área de saúde, foram destinados R$ 298.493,01. Neste ano, o município recebeu do governo federal R$ 2,35 milhões, dos quais R$ 1,73 milhão (73,6%) do FPM e R$ 113,9 mil enviados para investimentos na saúde. Mas o dinheiro da saúde não atende as necessidades da sua população, que sofre com o atendimento precário.

A doméstica Fernanda Fernandes de Souza divide o barraco de dois cômodos com o marido e quatro filhos pequenos. Há mais de seis meses tenta um exame de raio X para um dos filhos, de 7 anos, que sofre de adenóide. “Sempre que vou ao posto eles falam que tenho de esperar. Só que a doença não espera”, diz. “Sei que o dinheiro (para a saúde) chega, mas não sei o que acontece. Deve ser desviado para outra coisa”, afirma.

Sofrimento

Moradora da zona rural, Maria de Jesus Pereira também reclama de ter de esperar até seis meses para conseguir um exame. É o mesmo sofrimento da lavradora Maria Batista de Souza, cujo marido sofre de pressão alta e não encontra os medicamentos no posto da cidade. “Da última vez, tive de fazer dívida de R$ 75 com a farmácia”, afirmou. O sistema de saúde de São João do Pacuí se resume a uma unidade básica, com três médicos que trabalham de segunda a sexta-feira, e só.

É nessa dura realidade que atendimentos mais complexos, como um simples braço quebrado, precisam ser transferidos para Coração de Jesus, a 30 quilômetros da cidade. “Fazemos todos os encaminhamentos para não deixar de atender ninguém”, diz o enfermeiro Lincoln Gomes Júnior, gerente do posto. Ao lado do posto, está uma construção para instalação do Programa de Saúde da Família (PSF), que tem uma equipe na cidade, mas está paralisada. A oposição a Garrincha disse que a prefeitura já recebeu o dinheiro para terminar a obra.

O prefeito João Antonio Ribeiro contesta a informação: “A obra do posto do PSF está em andamento e será concluída. Tenho até o fim do ano para prestar contas”. Ele nega deficiências na saúde pública e contesta os dados da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro: “Os números foram repassados de maneira errada. A nossa realidade hoje é melhor do que vários municípios da região”.


Placar da vergonha

Posição -  Municípios Mineiros menos desenvolvidos em renda, emprego, saúde e educação -  Região

768º Minas Novas Jequitinhonha
769º Coronel Murta Jequitinhonha
770º Juvenília Norte
771º Poté Mucuri
772º Seritinga Sul
773º Curral de Dentro Norte
774º Josenópolis Norte
775º Jequitaí Norte
777º São Geraldo da Piedade Vale do Rio Doce
778º Jordânia Norte
779º José Raydan Vale do Rio Doce
780º Almenara Jequitinhonha
781º Cipotânea Zona da Mata
782º Riacho dos Machados Norte
783º Ponto dos Volantes Jequitinhonha
784º Frei Lagonegro Vale do Rio Doce
785º Pintópolis Norte
786º Montezuma Norte
787º Indaiabira Norte
789º São Geraldo do Baixio Vale do Rio Doce
790º São Romão Norte
791º Serranópolis de Minas Norte
792º Itaobim Jequitinhonha
793º Açucena Vale do Rio Doce
794º Itaipé Mucuri
795º Ataleia Mucuri
796º Divinolândia de Minas Vale do Rio Doce
797º Marilac Vale do Rio Doce
798º Icaraí de Minas Norte
799º Juramento Norte
800º Peçanha Vale do Rio Doce
801º São José da Safira Vale do Rio Doce
802º Varzelândia Norte
803º Pai Pedro Norte
804º Chapada Gaúcha Norte
805º Águas Vermelhas Norte
806º Franciscópolis Mucuri
808º Matias Cardoso Norte
809º Setubinha Mucuri
810º Formoso Noroeste
811º Chapada do Norte Jequitinhonha
812º Ladainha Mucuri
813º Dom Bosco Noroeste
814º São Sebastião do Maranhão Vale do Rio Doce
815º Água Boa Vale do Rio Doce
816º Santa Fé de Minas Norte
817º Santa Efigênia de Minas Vale do Rio Doce
818º Fronteira dos Vales Mucuri
819º Alvorada de Minas Central
820º Jampruca Vale do Rio Doce
821º Miravânia Norte
822º Novo Oriente de Minas Mucuri
823º Verdelândia Norte
824º Frei Gaspar Mucuri
825º Coluna Vale do Rio Doce
826º Umburatiba Mucuri
827º Ibiaí Norte
828º Vargem Grande do Rio Pardo Norte
829º Santo Antônio do Retiro Norte
830º Monte Formoso Jequitinhonha
832º Alvarenga Vale do Rio Doce
834º Jacinto Jequitinhonha
835º Caraí Mucuri
836º Comercinho Jequitinhonha
837º Divisópolis Jequitinhonha
838º Lagoa dos Patos Norte
839º Ouro Verde de Minas Mucuri
840º Palmópolis Jequitinhonha
841º Angelândia Jequitinhonha
842º São João das Missões Norte
843º Antônio Dias Vale do Rio Doce
844º Bertópolis Mucuri
845º Santa Helena de Minas Mucuri
846º Ninheira Norte
847º Catuji Norte
848º Cantagalo Vale do Rio Doce
849 º Santa Cruz de Salinas Norte
850º Bonito de Minas Norte
851º Novorizonte Norte
852º Pescador Vale do Rio Doce
853º São João do Pacuí Norte


Os municípios acima foram alvo desde 2002 de alguma destas operações: Sanguessuga, João-de-barro ou Pasárgada, da PF; Operação 40, do MP Estadual, além de outras ações do MP estadual e federal

Fonte: Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Ministério Público Estadual e Federal


OPERAÇÕES

Operação Sanguessuga (2006)
Feita pela Polícia Federal para desarticular esquema de fraudes em licitações para compra de ambulância

Operação Pasárgada (2008)
Desbaratou esquema de venda de sentenças para a liberação do Fundo de Participação dos Municípios

Operação João-de-Barro (2008)
Apurou irregularidades em obras feitas com recursos de emendas parlamentares para 114 prefeituras

Operação 40 (2008)
Ministério Público Estadual denunciou 23 prefeitos por fraude em licitação para a compra de